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Letters of Someone

Letters of Someone

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- Tom por favor… eu amo-te – sussurrei já sei força e tudo o que tu fizeste foi bater com a porta e deixar-me ali no quarto, sozinha, sem saber o que fazer, sem saber o que sentir. Senti-me inútil, pequena, pior… impotente. É assim que tem sido nestes últimos meses, discutimos, eu acabo a chorar, tu dizes algo que te arrependes e depois vais-te embora porque é mais forte do que tu, porque já não sabes verbalizar um “desculpa”.

Namoramos à 4 anos, e desde sempre conheci-te como sendo perverso, animado, destemido e sem travões, literalmente, dizias tudo o que te apetecia sem pensares nas consequências. Até à coisa de dois meses…

Estávamos sentados no sofá a ver um filme, um dos muitos passatempos que tínhamos, quando recebes uma chamada de um número não identificado. A partir daí foi como se tudo fosse em câmara lenta, mas ao mesmo tempo passou tudo tão depressa. Era o hospital, a dar-te a notícia de que o teu irmão tinha tido um acidente de carro e que estava em estado grave. Pegaste nas chaves, eu fui buscar-nos casacos e saímos de casa já sem nos importarmos com o filme e com o seu fim. Quando lá chegamos estava um médico à tua espera para te dizer que o teu gémeo se encontrava internado nos cuidados intensivos, em coma e o pior foi quando te disseram que havia possibilidade de não acordar. Eu não sabia o que havia de fazer, se chorar por ele, ou se te suportar, porque se eu estava destroçada pelas notícias tu então tinhas morrido ali. Eu pensava que a tua resposta iria ser gritar com o médico, mas tudo o que tu fizeste foi perguntar se o podias ver, ao que o médico te respondeu que sim. Indicaram-nos o quarto e nós encaminhamo-nos até ao mesmo, mas quando lá chegamos foi mais forte que eu e as lágrimas escorriam-me pelos olhos. Não sabia o que pensar, não sabia o que dizer, não sabia como ser forte por ti. Vê-lo deitado na cama, com a cabeça enrolada em gaze, pálido, cortes nos braços e mãos, ali inanimado, sem aquele seu sorriso tão típico, foi o pior para mim.

Olhei para ti, e tu continuavas apático, sem saber o que dizer, ou fazer. Mas lá deves ter ganho forças e agarraste na mão do teu irmão e apertaste-a com tanta força que por segundos pensei que ia ser ai que ias desabar, mas não, continuaste mudo.

E eu que achei que aquilo era o pior… não! O pior foi quando tiveste que avisar a tua mãe e os teus amigos, foi quando tiveram que decidir se uma maquina continuaria a mante-lo vivo, o pior foi quando vi uma parte da tua mãe, assim como tua, a morrer no dia em que o enterraram, quando tu deixaste de ser tu e passaste a ser apenas mais um corpo no mundo.

Tentei animar-te tantas vezes, tentei lutar tantas vezes por nós, tentei que pelo menos um de nós fizesse o luto pelo teu irmão e tu continuaste sem alma, sem falar, sem rir, sem comer e durante algum tempo suspeitei que sem respirar.

Desejei mesmo poder devolver-te a tua alma gémea, para que tu pudesses voltar a ser aquilo que eras, para puderes voltar a ser o Tom que conhecia. Desejei fazer os impossíveis para que me amasses de novo e visses em mim um porto de abrigo, assim como eu sempre vi em ti, mas tu simplesmente morreste para o mundo, começaste a beber e ignoraste-me a toda a hora.

“- Tom por favor fala comigo, eu preciso de ti, preciso que lutes, por favor. – pedi já a chorar como tantas outras vezes.

- Tu não percebes?! Eu nem sei porque é que aqui estou, sou insignificante. Eu devia ter morrido com o Bill, ou no lugar dele. Nunca voltarei a ser o mesmo, nunca voltarás a ter aquilo que querias! Eu já não sinto nada! – respondeu-me antes de se ir embora e bater com a porta.”

E mais uma vez eu fiquei de rastos naquele quarto que já tão bem conhecia, aquele quarto que já não era nosso, mas apenas meu, porque tu foste para a sala.

Peguei nas minhas coisas e comecei a meta-las na mala de viagem, e por cada peça, uma lágrima cai-a, uma recordação aparecia.

Ainda hoje me culpo por tudo, apesar de saber que a culpa não é minha, mas eu devia ter forças para lutar pelos dois, devia de conseguir gritar pelos dois, devia de conseguir viver pelos dois, mas não dá, não tenho mais forças. Engoli tudo aquilo e decidi que seria a ultima vez que me estaria a lamentar por tudo, porque se tu não quisesses eu não poderia fazer mais nada senão seguir com a minha vida, ainda que sejas o meu primeiro e único amor.

Desci as escadas e como sempre estavas deitado no sofá a olhar para o vazio, com uma garrafa de Vodka nas mãos, pousei a mala à entrada e fui até à sala.

- Tom…- chamei para que olhasses para mim, mas como já adivinhava tu nem isso fizeste – Eu estou farta, cansada. Desculpa, mas eu tentei, eu lutei e simplesmente não aguento mais. – atirei na esperança que ele acordasse e que me impedisse de sair e nunca mais voltar.

- Se é isso que queres… podes ir. – respondeste com uma frieza tão grande que me paralisaste. Bastava uma simples palavra para que eu voltasse atrás e correr para os teus braços, para te perdoar por tudo e para te apoiar e tu fazes isto – Tu nunca irás entender, tu não tens ninguém com que te preocupar.

- Desculpa?! Cansei-me Tom, cansei-me de te tratar com paninhos moles, e de te proteger por tudo! Tu achas que és o único que sofreu ou que ainda está a sofrer? Achas que foste o único a perder alguém de quem gostavas? – perguntei já com as lágrimas nos olhos – Eu perdi o meu melhor amigo e o meu namorado. Eu tive que fazer luto por mim e por ti, tive que tentar apoiar-te, mas não resultou porque tu morreste. Tom ele morreu, eu sei e sofri tanto quanto tu, também era meu amigo e eu sei que não tem comparação mas ele iria querer que tu continuasses a tua vida, que vivesses por ele, que lutasses pela vida que ele tem…tinha! – grito deixando as palavras saírem-me da boca – Mas tudo o que tu fazes e ficar ai deitado, a olhar para o nada à espera de morrer, deixas que a vida passe por ti e tu não lhe fazes nada. Estou farta Tom, eu tentei estar lá, eu tentei falar contigo, bastava dizeres que precisavas de mim e eu fazia tudo e mais um bocado para te apoiar, eu lutava por nós. Bastava dizer… que me amavas e eu voltaria atrás com a minha decisão, eu fazia de tudo para que voltasses a ser feliz, mas tu não me deixas entrar, tu não me falas e quando falamos é para me dizeres que morreste e que já não sentes mais nada por mim. Isto é acima daquilo que eu consigo fazer… desculpa. – peço afastando-me dele e pegando na minha mala. Olho para trás uma última vez, na esperança que ele me impeça mas nada disso acontece. Vou até à porta e olho uma última vez para trás, para guardar cada traço daquela casa, casa essa que em tempos me fez feliz, que em tempos pude chamar minha, que em tempos partilhei com a pessoa que amava.

Saio da casa ciente do que estou a fazer, mas não consigo, não aguento… estou cansada.

Meto-me no carro e conduzo sem destino, preciso de pensar, de me acalmar, de acreditar que o que acabei de fazer foi o mais correto.

Tudo o que vejo é preto, que aconteceu ao meu carro? Estou realmente confusa, e doí-me o corpo. Ao longe vejo uma luz que se começa a aproximar e apercebo-me de que morri. Mas não posso morrer, não pode acabar assim.

- Que fazes aqui? – pergunta-me Bill com o seu sorriso contagiante.

- Tu… eu não posso, eu não posso estar contigo Bill, não agora.

- Isso é o que te estou a dizer, ainda não está na hora de desistires. Eu sei que ele é muito teimoso e muito orgulhoso, mas tu tens que lutar, por mim sim?! – pergunta-me aproximando-se e colocando-me uma mexa de cabelo atrás da minha orelha. E as lágrimas que já me tinham secado voltaram a correr pela minha cara. Não podia acreditar que ele estava ali e eu não podia ficar com ele.

- Eu sei, mas ele precisa de ti, eu preciso de ti. – digo já abraçada a ele e a chorar compulsivamente no seu ombro, ao que ele me afaga as costas e começa a fazer pequenos desenhos nas mesmas.

- Não, não precisas. Vocês são fortes e eu estarei sempre nos vossos corações. Estava na minha hora, mas não é por isso que vocês têm de parar de viver também. Por isso mete-me um sorriso gigante e vai acordar o meu irmão, sim? – perguntou afastando-me dele e limpando-me as lágrimas que teimavam em cair. Eu soltei um pequeno sorriso e assenti ao que ele me depositou um beijo na bochecha, deu-me um abraço e disse-me adeus.

Depois disso vejo um clarão enorme, e oiço-o.

- Por favor não vás tu também, eu preciso de ti. Eu sei que fui parvo, mas tu és tudo o que tenho agora e só percebi disso quando saíste. Por favor, diz algo.

Era a voz de Tom, e parecia… estar a chorar. Começo a ver luzes, contornos mais específicos e definidos e por fim vejo-o, a olhar para mim, a chorar.

Chamo-o na tentativa de que não seja um sonho, e ele sorri e abraça-me com tanta força que me faz tossir. As enfermeiras entram no quarto de rompante e afastam o Tom para me verificar os sinais. Algum tempo depois alguém me explica que tive um acidente e que estive em coma por dois dias. Sempre tão dramática que eu sou!

- Não me deixes. – pede assim que nos encontramos sozinhos, fazendo-me olha-lo e ficar admirada com o que disse – Eu preciso de ti, sem ti não teria mais nada nem ninguém porque lutar. E eu sei que não tenho lutado, mas quando te vi nessa cama, tão pálida como o meu irmão pensei que também teria que me despedir de ti, e eu não ia conseguir…Não outra vez! – diz a chorar e agarrar na minha mão como se tivesse medo que eu fugisse – Eu sei que não tem sido fácil, e que também sofreste, sei que te deixei de fora e fui péssimo, mas eu sentia-me culpado por ter desligado as máquinas, sentia que não interessava o que eu fazia pois já não ia estar lá ninguém para me dizer que estava certo ou errado. Eu só queria ouvir o seu riso uma última vez, só queria poder despedir-me dele uma última vez, dizer-lhe que gosto muito dele uma ultima vez. E depois tu foste-te embora e gritaste comigo e tornaste as coisas tão reais que eu me apercebi que estava a ser idiota e insensível e egoísta. Fui tão estúpido, por favor perdoa-me, diz-me que não te vais embora, que não me deixas, diz-me que me amas. Diz algo. – pede olhando-me à espera de uma resposta, ansiando para que lhe diga o que ele quer, quer que lhe diga aquilo que em tempos lhe supliquei. E tudo o que eu fiz foi sorrir e puxa-lo, pois senti-lo ao meu lado era melhor do que dizer que o amava, sentir o seu calor era matar saudade que eu tinha. E da sua boca saiu as palavras que eu tanto quis ouvir nestes dois meses “Amo-te”, e tudo o resto era passado.

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